Texto base: Mateus 14.13-21
Os dias atuais parecem ser
marcados por um avanço do individualismo e do relativismo. As pessoas voltam-se
muito mais para si mesmas, preocupando-se em ser felizes, em cuidar de si e de
sua família, não cultivando mais sentimentos altruístas.
O panorama da sociedade atual
passa a impressão de que as profecias contidas nas Escrituras estão se
cumprindo, pois o amor vai se esfriando no coração das pessoas. A Igreja não
parece ter tanta relevância como em tempos passados. E curiosamente aumentam os
casos de pessoas sofrendo de depressão, amargando o desprezo, a solidão, ainda
que possuam bens. São muitos os casos de pessoas enfermas, mergulhadas em
vícios, com pensamentos extremamente negativos em relação à vida.
Além disto, o relativismo cresce
a cada dia. Não existem mais verdades absolutas. Cada um tem a sua verdade. E
nesta onda, até mesmo os cristãos começam a ver de forma relativa as verdades
contidas nas Escrituras, procurando amoldar os ensinos da Palavra aos “tempos
modernos” para não criar caso com ninguém e “viver em paz com todos”.
Durante seu ministério terreno,
Jesus não se entregou ao individualismo nem ao relativismo ou a qualquer outro
tipo de filosofia pregado pelo mundo, mas procurou ensinar e viver os
verdadeiros valores do Reino de Deus. Por esta razão ele foi muito amado, mas
também foi odiado. Jesus não se importou com dogmas religiosos, e caminhou
fazendo a diferença nas vidas de milhares de pessoas que tiveram o privilégio
de conhecer o Mestre pessoalmente.
Na passagem lida, vemos que
Jesus, após saber que João Batista havia sido morto por Herodes, retirou-se
para um lugar deserto, e foi seguido por multidões. Ele era cativante, porque
amava as pessoas e demonstrava isso de forma prática. Ele ensinava com
autoridade, mostrando às pessoas mais do amor de Deus. Ele não negociava na
pregação da Palavra, falando sempre o que era necessário e que tinha recebido
do Pai.
A Igreja foi deixada nesta terra para
dar prosseguimento ao ministério de Jesus, de pregar o Evangelho e demonstrar o
amor de Deus de forma prática, mas nem sempre isso é feito, pois muitos cristãos
se esquecem de que os ensinamentos de Jesus são para a vida, e não apenas para um
momento.
O texto que lemos pode trazer
inúmeras lições aos discípulos atuais de Cristo, mas vamos destacar apenas três
pontos.
1) Ainda há multidões à procura de Jesus
(vv. 13-14)
Inúmeras pessoas se deslocavam de
suas casas, de suas cidades, em busca de Jesus. Elas ansiavam por cura,
libertação, ensino, atenção, ações políticas, etc. Eram pessoas que haviam
ouvido falar sobre Jesus, conheceram relatos do que Ele vinha fazendo, e
acreditavam que Ele poderia dar uma solução para sua situação. Pessoas para
quem, talvez, antes não houvesse uma perspectiva, e agora, ao ouvir sobre
Jesus, viam a sua esperança renascer.
Elas não estavam em busca de
dinheiro, porque Jesus ficou famoso por seus milagres, que envolviam curas de
cegos, paralíticos, surdos, mudos, libertação de possessos, e não por uma
pregação de prosperidade financeira. Ele próprio ensinava o desapego a bens
materiais.
Havia quem considerasse a
possibilidade de Jesus ser o líder político que conduziria Israel para a
libertação do jugo do Império Romano.
Se fosse necessário caminhar
longas distâncias, elas caminhavam. Corriam até o risco de não ter alimento,
pois queriam alcançar seus objetivos e acreditavam que Jesus era a solução. É
claro que nem todos tinham ideia de que Jesus era o Messias prometido nas
Escrituras. Para muitos, talvez Ele fosse mais um profeta. Outros, porém,
acabavam discernindo quem era Jesus, e isso fazia diferença em sua vida.
A multidão tinha pessoas de todos
os tipos. Havia homens, mulheres, crianças, jovens, idosos, pobres, ricos,
enfim, era uma enorme mescla de pessoas que buscavam a Jesus.
Da mesma forma, ainda hoje
existem multidões em busca de Jesus. São pessoas que têm fome de Jesus, que
precisam de soluções para suas vidas, seja para doenças, vícios, traumas,
solidão, abandono, etc.
Essas multidões são formadas por
pessoas que podem ser divididas da seguinte forma:
i) Pessoas
que já ouviram sobre Jesus, ficaram impressionadas, mas O estão buscando apenas
para satisfazer necessidades físicas ou materiais. Enchem templos em busca de
milagres, de prosperidade, e nunca experimentam um relacionamento verdadeiro
com Jesus. Por vezes o milagre que buscam acontece, mas continuam em suas vidas
sem Cristo.
ii) Pessoas
que já ouviram sobre Jesus e acreditam que o poder dEle não é apenas para
cuidar de interesses humanos transitórios, mas que abrange a eternidade. Podem
até mesmo congregar em igrejas cristãs, só que ainda não tiveram um encontro
com Jesus, pois confundem a fé em Jesus com o cumprimento de normas religiosas.
Acabam se assemelhando aos judeus religiosos dos tempos de Jesus.
iii) Pessoas
que podem até nem mesmo saber que o que estão buscando é Jesus. Isto porque
milhares de pessoas sentem a necessidade de preencher o vazio existencial que
possuem, e partem numa caminhada em busca de respostas, apegam-se a religiões,
filosofias, práticas diversas, porém a resposta que procuram está em Jesus, e
enquanto não O encontram, permanecem famintas e errantes pelos desertos da
vida.
Independentemente de em que grupo
as pessoas estejam, o fato é que Jesus olha para todos e se compadece. O olhar
de Jesus para as pessoas que O buscam, ainda que não saibam ou que estejam
seguindo pelo caminho errado, é de misericórdia, o que O leva a operar milagres
em favor de muitos.
No texto bíblico, vemos que Jesus
se compadeceu das multidões e curou os seus enfermos. Ele atendeu a
necessidades físicas imediatas daquelas pessoas. O texto bíblico nos mostra que
Jesus havia se retirado para um lugar deserto. Talvez a intenção dEle fosse
ficar a sós com o Pai, para descansar e orar, mas Ele abriu mão desse período
para atender às pessoas que O procuravam e que haviam se deslocado de várias
localidades para poderem vê-lo.
Aquelas multidões encontraram o
que buscavam. Talvez nem todos estivessem em busca da salvação eterna, pois as
preocupações com as necessidades imediatas podiam estar em primeiro lugar, mas
com certeza quem ansiava pela salvação a encontrou ao encontrar Jesus.
2) Jesus nos torna responsáveis por
alimentar as multidões (v. 16)
Compadecido das multidões, Jesus
atendeu às pessoas, e isso tomou bastante tempo, de maneira que o dia estava
prestes a terminar, e os discípulos ficaram preocupados, afinal, estavam em um
local deserto, onde não seria possível comprar alimento. O que fazer com todo
aquele povo?
O primeiro pensamento dos
discípulos foi de dispensar o povo, para que, voltando para casa, ao longo do
caminho comprassem, nas aldeias, alimentos para poderem saciar a fome. Jesus,
porém, discordou dos discípulos e lhes disse: “Dai-lhes, vós mesmos, de comer” (v. 15).
É bem provável que os discípulos
tenham ficado perplexos diante da resposta do Mestre. Afinal, estavam ali
reunidas milhares de pessoas. Considerando as informações do texto, pode-se
estimar que a multidão era composta por um número entre 10 e 12 mil pessoas, já
que consta serem 5 mil homens, além de mulheres e crianças.
Mas mesmo diante de tão
expressivo número de pessoas, Jesus atribui aos discípulos a responsabilidade
de alimentar aquela multidão, em vez de dispensá-los para que cada um cuidasse
de si próprio.
Jesus estava fazendo algo que lhe
era muito peculiar: ela não rejeitava as pessoas que se achegavam a Ele, jamais
as despedia sem as ouvir e sem atender ao seu clamor, pois o amor que o movia o
impedia de agir de outra forma.
E assim, Jesus ensina que os seus
discípulos não podem agir de outra maneira, mas devem sempre seguir o exemplo
do Mestre e, em vez de dispensar as pessoas, cuidar delas.
Nós, como discípulos de Cristo,
recebemos de nosso Mestre a incumbência de alimentar as multidões que estão
caminhando em busca de Jesus, mesmo aquelas que caminham sem saber que é a
Jesus que buscam.
Os discípulos devem ser
compassivos como Jesus, devem olhar para as pessoas com misericórdia,
compreendendo suas dores e buscando cuidar delas como Jesus cuidou e continua
cuidando.
Tiago escreveu a seguinte
exortação: “Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do
alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos
e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o
proveito disso?” (Tiago 2.15-16)
O discípulo de Cristo age como
Cristo: fornece o alimento espiritual, mas também procura atender às
necessidades materiais das pessoas.
Jesus ensinava sobre o Reino de
Deus, sobre o estilo de vida que agrada a Deus, falando da maneira de um servo
de Deus viver neste mundo, e ao mesmo tempo socorria as pessoas em suas
necessidades, de maneira que elas pudessem experimentar na prática esse amor
infinito que Deus tem por nós.
E igualmente Jesus lança sobre os
seus discípulos, tanto os daquele tempo como os de hoje, a responsabilidade de
agir como Ele, vivendo uma fé prática, que ensina sobre a Palavra de Deus, mas
que também busca suprir as necessidades dos seres humanos nas mais diversas
áreas da vida.
Devemos alimentar as multidões
com o ensino da Palavra e com a prática do amor.
3) Nós dependemos de Jesus para alimentar
as multidões (v. 19)
Assim que ouviram a resposta de
Jesus, os discípulos ficaram perplexos e falaram sobre a impossibilidade do
cumprimento daquela tarefa, afinal, como conseguiriam alimentar uma multidão
que podia estar entre 10 e 12 mil pessoas, ou até mais, com apenas 5 pães e 2
peixes? Isso era, de fato, impossível! Parecia uma loucura!
Jesus sabia disso! Ele estava, na
verdade, levando seus discípulos a compreenderem, na prática, que sem Ele, nada
poderiam fazer, lição esta que Ele ensinou mais de uma vez, como está narrado
por João: “Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse
dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.” (João 15.15)
Jesus mostrou aos discípulos que
eles não poderiam confiar em sua própria capacidade, e para isto colocou-os
diante de uma missão impossível, a fim de que vissem que eram limitados e em tudo
dependeriam do Mestre. Ele lhes ensinou que, embora haja impossíveis aos
humanos, para Deus tudo é possível.
Os discípulos testemunharam um
milagre extraordinário, pois cinco pães e dois peixes se multiplicaram e foram
suficientes para alimentar milhares de pessoas, com sobras.
Nosso Senhor Jesus nos imputa uma
responsabilidade muito grande ao nos comissionar para alimentar as multidões, e
com isto Ele nos leva a olharmos para nós mesmos e vermos o quanto somos
incapazes de fazer isso com base em nossos esforços. Todavia, Ele ensina que,
se permanecermos nEle, em total dependência e confiança, Ele fará o milagre da
multiplicação quantas vezes forem necessárias, a fim de que cumpramos nossa
missão.
Essa multiplicação envolve nos
atribuir os dons dos quais precisamos, os talentos, as habilidades, as
oportunidades, a capacidade para falar e testemunhar, a coragem, a ousadia, a
autoridade, e principalmente a capacidade de amar o nosso próximo.
Sim, Jesus multiplica o amor em
nosso coração para que possamos viver uma fé prática, que faz diferença na vida
do próximo; que não se restringe a palavras, mas abrange atos que atendam a
necessidades básicas do ser humano.
Podemos ver esse agir de Jesus na história recente de um homem chamado
George Muller. Ele foi um jovem rebelde e afundado em pecados, mas aos 20 anos
de idade entregou sua vida a Jesus em uma reunião de oração da qual participou,
e daí em diante sua vida mudou radicalmente. Muller visitou 42 países pregando
o Evangelho, e até o fim da vida procurou andar em obediência a Deus, sempre
dependendo da Graça de Deus para realização de seu trabalho.
Em 1835 George Muller sentiu que Deus o havia chamado para abrir um
orfanato, a fim de acolher crianças cujos pais haviam morrido em uma epidemia
de cólera. Muller não tinha nenhum recurso financeiro, mas obedeceu a Deus e
confiou, resultando daí a criação do primeiro orfanato, sem fazer apelos ou
pedidos de ofertas. Em 1870 já eram 5 orfanatos, que atendiam mais de 2.000
crianças, e sempre dependendo unicamente de Deus, que tocava os corações das
pessoas para contribuírem, sem que Muller pedisse nada a ninguém.
Uma das histórias mais marcantes de Muller foi a de uma ocasião em que,
ao levantarem pela manhã, não havia nenhum alimento para as crianças. Muller
ordenou que mesmo assim as crianças dessem graças a Deus pelo alimento e aguardassem.
Logo alguém bateu à porta. Era o leiteiro, dizendo que seu carro havia quebrado
ali na frente, e ofereceu como doação o carregamento de leite que estava
levando para outros lugares, caso contrário acabaria se estragando. Pouco tempo
depois, novamente alguém bateu à porta. Era o motorista de uma padaria da cidade
que, segundo contou a Muller, trazia uma grande quantidade de pães, pois a fornada
saíra com aspecto diferente que o de costume, e como provavelmente não seria aceito
pela freguesia, o dono resolveu doar ao orfanato. Desta forma, as crianças
puderam se alimentar, e mais uma vez Deus supriu as necessidades delas por meio
da fé de Muller.
Consta que durante sua vida George
Muller recebeu aproximadamente sete milhões e meio de dólares em resposta a
suas orações, sem nunca ter pedido ofertas. Certa vez, Muller escreveu o
seguinte: "eu não digo que estaria agindo contra os preceitos do Senhor se
procurasse ajuda em Sua obra através de pedido pessoal e individual [apelos]
aos crentes, mas eu faço assim para o benefício da igreja em geral".
Assim, vemos nesse exemplo que
Jesus não apenas multiplica o pouco, mas transforma o nada em muito, a fim de
que o Pai seja glorificado por meio da fé prática de seus discípulos.
Na passagem lida, após dar graças
ao Pai pelo alimento, Jesus ordenou que os discípulos distribuíssem os pães e
peixes entre a multidão. Ou seja, Jesus fez o milagre da multiplicação, mas
manteve a responsabilidade dos discípulos em alimentar ao povo.
Não devemos, portanto, ficar
olhando para as circunstâncias ou nos acomodar e deixar de fazer o que Jesus
nos ordenou. Antes, cabe a nós confiarmos nAquele que nos comissionou, pois Ele
fará o milagre da multiplicação sempre que houver necessidade, a fim de que
alimentemos as multidões.
CONCLUSÃO
As multidões se avolumam, e os
discípulos de Cristo são chamados a alimentar toda essa gente, pregando a
Palavra para satisfação da fome espiritual, e atendendo às suas necessidades
físicas e materiais com uma fé prática.
Não devemos ficar paralisados
diante de nossa fraqueza ou incapacidade, porque o Senhor que nos atribuiu essa
responsabilidade é conosco, e nEle podemos fazer infinitamente mais do que
imaginamos, pois Ele multiplica nossos poucos recursos, além de trazer à
existência o que não existe, tudo para que o Pai seja glorificado e exaltado
diante de todos.
A Graça de Deus é transbordante,
e se agirmos com fé e fidelidade, poderemos mostrar isso a todo o mundo.
Que Deus nos capacite e aumente a
nossa fé, para cumprirmos com fidelidade a missão que recebemos.
“9 como está escrito: Distribuiu,
deu aos pobres, a sua justiça permanece para sempre. 10 Ora, aquele que dá
semente ao que semeia e pão para alimento também suprirá e aumentará a vossa
sementeira e multiplicará os frutos da vossa justiça, 11 enriquecendo-vos, em
tudo, para toda generosidade, a qual faz que, por nosso intermédio, sejam
tributadas graças a Deus.” (2Cor 9.9-11)
“17 Ora, aquele que possuir
recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu
coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? 18 Filhinhos, não amemos de
palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade.” (1 Jo 3.17-18)
José Vicente
01.10.2017
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