domingo, 24 de março de 2019

Laços Familiares


Texto base: João 19.25-27

Nosso Mestre Jesus Cristo nos legou diversos ensinamentos durante sua caminhada como ser humano neste mundo, mas é interessante notar que até nos momentos que antecederam sua morte Ele continuou a nos ensinar por meio de suas palavras e atitudes.

Isto era algo bastante evidente em Jesus: suas atitudes tinham coerência com suas palavras. Ele ensinava por meio das palavras, mas também pelas atitudes, pela forma como conduzia sua vida, inclusive nos seus momentos finais como ser humano na terra, pregado numa cruz.

Nesta série de sermões estamos tratando sobre “As Palavras da Cruz de Cristo”. Frases que Ele falou pouco antes de morrer e que estavam carregadas de ensinamentos para todos os seus discípulos. A primeira palavra abordada foi relativa ao perdão (Lucas 23.34); a segunda, dizia respeito à salvação (Lucas 23.43); e hoje vamos abordar a terceira palavra, que se refere aos laços familiares (João 19.26-27).

Nós sabemos que a família é uma instituição de Deus. Quando Ele criou os primeiros seres humanos, aos quais chamou Adão e Eva, fê-los como um casal e disse-lhes: “frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 1.28). Ao longo de toda a Bíblia vemos como a família recebe especial atenção de Deus.

Atualmente, porém, a ideia de família como concebida por Deus vem sendo deixada de lado devido a ideias humanistas, que partem de pessoas que não aceitam se submeter a Deus e distorcem esse instituto sagrado criado pelo Altíssimo. A cada dia vemos mais famílias desestruturadas, onde não há a prática do amor e da misericórdia, mas parece que os próprios familiares se fazem inimigos uns dos outros, com brigas por motivos variados, desavenças que rompem relacionamentos e provocam feridas que não são devidamente tratadas, gerando pessoas amarguradas, adoecidas física, mental e espiritualmente.

E como consequência disso, vemos uma sociedade que gradativamente vai se corrompendo, perdendo valores morais, éticos e religiosos. Uma sociedade que pouco a pouco, por meio de condutas ditadas pelas filosofias do mundo, vai se afastando de Deus e fazendo justamente o oposto do que o Eterno orienta, em uma caminhada a passos largos para a destruição.

O diabo tem atacado justamente aquela que é a base para uma sociedade mais equilibrada e temente a Deus: a família. Assim vemos o crescimento do adultério, a entrada das drogas e outros vícios destrutivos dentro do lar, o desrespeito à autoridade dos pais por parte dos filhos, o abandono afetivo dos filhos pelos pais, enfim, diversas formas de aprisionamento espiritual que levam ao mesmo resultado: o esfacelamento familiar e a derrocada da sociedade.

Jesus, em um momento de extremo sofrimento, com o corpo todo machucado, pregado a uma cruz, demonstrou preocupação quanto à sua família terrena. E analisando a imagem traçada pelo texto bíblico que lemos, podemos extrair algumas lições que Cristo nos ensinou nos seus últimos momentos como ser humano neste mundo.

1.   Pais, jamais abandonem seus filhos (v. 25)
Quando Jesus, deixando a plenitude de sua glória celestial, veio a este mundo na forma humana, uma mulher foi escolhida para que ele pudesse ser gerado. Maria, uma jovem temente a Deus, recebeu a notícia por parte do anjo Gabriel, e se dispôs a ser instrumento do poder de Deus, em total submissão à vontade do Altíssimo.

José, esposo de Maria, recebendo revelação também dada por meio do anjo Gabriel, assumiu a paternidade terrena de Jesus, sabendo que Ele era fruto do Espírito Santo de Deus.

Esse casal criou Jesus com todo o amor, e o ensinou da melhor maneira possível. José foi um bom pai, e ensinou a Jesus o ofício da carpintaria. Eles formavam uma família que estava debaixo da autoridade do Pai Eterno.

E ali, naquele momento de grande agonia, quando o corpo sofria com fortes dores devido aos ferimentos causados pelas chicotadas, a coroa de espinhos na cabeça, os pregos nas mãos e nos pés, e a humilhação pública, Jesus olhou para o pé da cruz e lá avistou sua mãe, Maria, que acompanhava toda aquela tragédia com o coração despedaçado, sem poder fazer nada para salvar o filho de tão grande sofrimento.

Sim, a mãe de Jesus estava lá. Ela não o abandonou. Ela seguiu o filho e viu se cumprir o que fora dito por Simeão no dia em que Jesus foi levado ao tempo para ser circuncidado:

“33 O pai e a mãe do menino ficaram admirados com a proclamação feita a respeito dele. 34 Então Simeão os abençoou e revelou a Maria, mãe de Jesus: “Eis que este menino está destinado a ser o responsável pela queda e pelo soerguimento de multidões em Israel, e a ser um sinal de contradição, 35 de maneira que a intimidade dos pensamentos de muitos corações será revelada. Quanto a ti, todavia, uma espada traspassará a tua alma”.” (Lucas 2.33-35, King James Atualizada)

No momento mais difícil da vida de Jesus como homem, sua mãe estava lá, ao pé da cruz, sofrendo com Ele. José também estaria, mas segundo estudiosos da Bíblia, ele faleceu algum tempo antes, e por esta razão apenas Maria é mencionada. Imagine a dor que ela sentiu ao ver seu filho naquela situação! Por coisas muito menores, como um joelho ralado ou uma injeção dolorida sofremos ao ver nossos filhos experimentando alguma dor ou aflição, que dizer então de presenciar o filho sendo morto, sem poder fazer nada!

Infelizmente, essa não é a realidade vivida por muitas famílias hoje em dia. Há milhares de filhos que sofrem de abandono afetivo, não contando com os cuidados dos pais durante a fase em que mais precisam, que é a infância, e muito menos depois, nas demais fases da vida. Nem sempre os pais vivem separados fisicamente dos filhos, pois é possível que estejam morando todos na mesma casa, mas isso não impede o abandono, porque esses pais se omitem no seu dever de cuidar, educar, ensinar bons valores, dar amor, incentivar, procurar despertar as melhores qualidades dos filhos, etc.

Mas tão grave quanto o abandono afetivo – ou até pior - é o abandono espiritual. Quantos filhos estão crescendo sem que seus pais lhes ofereçam um adequado direcionamento espiritual! E isto traz consequências não apenas no que diz respeito aos relacionamentos com a família e a sociedade, mas impacta diretamente na forma como essa criança vai se relacionar com Deus.

O abandono espiritual pode ocorrer de diversas formas, e, por vezes, está presente em atitudes que não aparentam, em primeiro momento, tratar-se de um abandono. Ele acontece, por exemplo, quando os pais negligenciam o mandamento de Deus e deixam de ensinar aos filhos a Palavra de Deus! Em vez de apresentar o Deus Altíssimo aos filhos, apresentam personalidades deste mundo, deixando o Eterno fora do relacionamento familiar.

Também se faz presente quando os pais consentem que os filhos deixem de ir à igreja, seja na escola bíblica dominical ou no culto, para ficar em casa simplesmente navegando na internet, brincando com joguinhos no celular ou no computador, assistindo a programas televisivos que deseducam, etc.

Também há abandono espiritual quando os pais não oram por seus filhos e não os ensinam a orar. Quando não exercem a autoridade espiritual que receberam de Deus para abençoar os filhos e a responsabilidade de criá-los na disciplina e admoestação do Senhor (Efésios 6.4).

O abandono espiritual gera pessoas que não conhecem a Deus, que não guardam os Seus mandamentos, que não observam os princípios morais e éticos do Reino dos Céus, e que facilmente são influenciadas pelos valores do mundo, enveredando por caminhos que produzem sofrimento e aproximam cada vez mais do abismo.

Pais, jamais abandonem seus filhos. Caso não seja possível estar juntos fisicamente, seja porque os filhos não moram na mesma casa ou por qualquer outra causa, continuem orando por eles, rogando a proteção e as bênçãos do Altíssimo sobre a vida deles. Mesmo aqueles filhos que representam casos difíceis, que causam tristezas e sofrimentos por terem feito escolhas ruins, que parecem não ter jeito, precisam que seus pais estejam com eles, mesmo que sejam apenas em oração, clamando pela misericórdia de Deus.

Que os pais sigam o exemplo de Maria, e não abandonem os filhos.

2.   Filhos, honrem seus pais (v. 26 e 27a)
Jesus, nesta passagem, nos dá um ensinamento maravilhoso e inigualável: estando prestes a morrer, pendurado na cruz e todo ferido, experimentando uma dor que nem mesmo conseguimos imaginar, preocupou-se com sua mãe e procurou meios de ter certeza de que ela ficaria amparada.

Em uma situação como aquela, Jesus mostrou o quão essencial é a prática do amor, deixando de pensar em si mesmo para se preocupar com sua mãe. E assim agindo, Ele estava cumprindo o mandamento ordenado em Êxodo 20.12: “Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá.”

Jesus era judeu, e cumpria os mandamentos dados pelo Pai, dentre os quais o de honrar pai e mãe. E ele mesmo ensinou esse mandamento em mais de uma oportunidade. Quando respondeu ao jovem rico o que deveria fazer para ser salvo (Mateus 19.19); e também quando censurou os fariseus por quebrarem os mandamentos para guardar tradições (Marcos 7.9-13). Paulo, apóstolo de Jesus, também exortou os cristãos a guardarem esse mandamento tão importante, conforme Efésios 6.2 (“Honra teu pai e tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa, para que tudo te corra bem e tenhas longa vida sobre a terra”).

Os filhos honram os pais quando os respeitam. Quando reconhecem sua autoridade e se submetem em obediência, sabendo que os pais receberam de Deus essa autoridade. Quando são gratos por tudo que os pais fazem e já fizeram para que pudessem crescer e se tornar pessoas de bem. Quando cuidam dos pais no momento em que estes necessitam.

Jesus sempre foi um bom filho, e, conforme é narrado em Lucas 2.51, era obediente aos pais quando criança, sujeitando-se à autoridade deles:

“E desceu com eles para Nazaré; e era-lhes submisso. Sua mãe, porém, guardava todas estas coisas no coração.” (Lucas 2.51)

E naquele momento terrível, no fim de sua vida terrena, Jesus ainda procurou honrar sua mãe, não a deixando desamparada, mas providenciando uma boa pessoa que cuidaria dela como se fosse um verdadeiro filho.

O ensino de Jesus nos leva a pensar na forma como tratamos nossos pais. Será que nós os estamos honrando com nossas palavras e atitudes? Será que respeitamos sua autoridade de pais ou lidamos com eles da mesma forma que nos relacionamos com amigos e outras pessoas que não são da família?

Infelizmente os meios de comunicação veiculam com certa frequência notícias sobre idosos abandonados em asilos ou em suas próprias casas, sem o cuidado dos filhos ou de qualquer outra pessoa da família. Pessoas que, no momento em que já não têm forças físicas nem mentais para os atos da vida, precisam de atenção e amparo, mas são deixadas de lado por pessoas egoístas e que desconhecem o amor de Deus.

Mas o cristão recebe de Deus a incumbência de ser diferente do restante do mundo, caminhando na contramão de todos aqueles que não têm Jesus como Senhor. O cristão é chamado a guardar os mandamentos de Deus, a andar em obediência ao Altíssimo, portanto, o que se espera de alguém que afirma crer em Jesus é que siga o Seu exemplo de amor e cuidado para com os pais.

Vejamos o que Paulo nos diz sobre isto:

“Mas se uma viúva tem filhos ou netos, que estes aprendam primeiramente a colocar a sua religião em prática, cuidando de sua própria família e retribuindo o bem recebido de seus pais e avós, pois isso agrada a Deus.” (1 Tim 5.4)

Notem que Paulo deixa bastante claro que o cuidado com os pais e avós representa a prática da religião que a pessoa diz seguir. Isso reflete exatamente o ensinamento de Jesus, baseado em um amor prático, não apenas teórico.

E ainda que se trate de pais que tenham cometido erros, que tenham agido mal, que tenham causado sofrimentos à família, que, de acordo com o entendimento deste mundo não mereçam respeito e cuidado, somos chamados por Jesus a perdoar e demonstrar misericórdia e amor. Ora, se Jesus nos manda amar até mesmo os inimigos, que dizer, então, dos pais que nos geraram, mesmo que sejam pessoas reprováveis!

Que o amor de Cristo seja abundante em nossos corações para que sejamos filhos conforme a Palavra de Deus.

3.   Cuidar de nossa família é por em prática a nossa fé (v. 25 e 27)
O texto bíblico nos mostra que, ao pé da cruz, não estava apenas Maria, a mãe de Jesus, mas com ela estava sua irmã, que era tia de Jesus. Também se faziam presentes ali Maria Madalena e João, que eram seus discípulos.

João, ao ouvir as palavras de Jesus, passou a cuidar de Maria como se fosse sua própria mãe. Segundo estudiosos, João era filho de Salomé - esposa de Zebedeu -, irmã de Maria, portanto, era seu sobrinho e primo de Jesus.

Jesus era o filho primogênito de Maria, e a ele incumbiria o cuidado com a mãe. Mas, diante de sua iminente morte, ele escolheu João, o discípulo amado, para tomar conta de Maria. Poderia ter escolhido algum de seus irmãos, mas a Palavra nos revela que nem os irmãos criam em Jesus (João 7.5). Então, Ele preferiu escolher alguém que sabia ser um homem de Deus.

Por meio desse cenário e de suas palavras, Jesus nos ensina que os laços familiares são muito importantes, e que devemos cuidar uns dos outros. A família biológica é aquela na qual nascemos, composta por pais, avós, tios, irmãos, sobrinhos, etc. 

Interessante notar que, no Brasil, a Constituição Federal prevê o dever familiar com relação ao cuidado de crianças, adolescente, jovens e idosos, conforme abaixo transcrito:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

“Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”

“Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.”

Observe-se que nos três artigos constitucionais a primeira entidade responsável é a família, seguida pela sociedade e pelo Estado.

O texto constitucional pode ser visto por muitas pessoas como algo bonito e inovador, mas para nós, cristãos, ele apenas fala de algo que uma Lei muito maior já tratou há milhares de anos. Sim, a Lei de Deus, que existe há muito mais tempo do que nossa Constituição, já definia os deveres de cuidado da família em relação aos seus integrantes, e também determinava a responsabilidade da sociedade e do Estado nessa tarefa.

Com relação ao cuidado com a família biológica, observe-se o que nos diz Paulo:

“Se alguém não cuida de seus parentes, e especialmente dos de sua própria família, negou a fé e é pior que um descrente.” (1 Tim 5.8)

De fato, há muitos descrentes que tratam melhor seus familiares do que alguns cristãos, que deveriam ter um procedimento diferente e dar um testemunho de fidelidade a Jesus.

Irmãos, cada um de nós foi colocado em uma família biológica com um propósito. Deus quer que, por meio de nossa conduta, de nosso testemunho, nossa família seja transformada. Somos chamados a ser agentes da paz, conciliadores, a demonstrar solidariedade para com os que necessitam. Deus espera que, no seio familiar, nossa fé seja posta em prática e, com isto, muitas pessoas venham a conhecer o amor de Deus.

Por outro lado, além de possuirmos nossa família biológica, também fazemos parte da família da fé, que é aquela à qual estamos ligados pelo sangue de Jesus, composta por todos aqueles que compartilham da mesma fé no Salvador.

Assim nos ensina Paulo:

“Portanto, vocês já não são estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus” (Efésios 2.19)

Por isto chamamos uns aos outros de irmãos, pois em Cristo assim o somos. E essa família da fé é gigantesca, alcançando pessoas que nem mesmo conhecemos, em diversos lugares do planeta onde a fé em Jesus é uma realidade.

E quanto à família da fé, Paulo também ensina:

“Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, especialmente aos da família da fé.” (Gálatas 6.10)

A Bíblia nos revela que Deus quer que nos disponhamos a ser instrumentos para edificação do corpo de Cristo, a Igreja, exercitando nossos dons, cooperando uns com os outros, agindo com misericórdia e amor, oferecendo suporte aos mais fracos, trabalhando para que haja harmonia no Corpo. Assim, a Bíblia nos exorta a que nos amemos com sinceridade e busquemos o bem do nosso próximo:

“Dediquem-se uns aos outros com amor fraternal. Prefiram dar honra aos outros mais do que a si próprios.” (Romanos 12:10)

O amor deve permear nossas relações familiares, tanto no seio da família biológica ou como da fé. Fazemos parte de duas famílias e cumpre a nós amar as duas, cuidar uns dos outros, buscar a harmonia entre seus membros, atuar como verdadeiros emissários do Reino de Deus, de forma que nosso Pai Celeste seja glorificado.

Conclusão
Em seus últimos momentos como homem neste mundo, Jesus nos ministrou ensinamentos que devem fazer parte de nosso cotidiano, uma vez que cabe a nós, como Seus discípulos, de nossos filhos, honrarmos nossos pais e cuidarmos uns dos outros, tanto na família biológica como da fé, pois isso é agradável a Deus e demonstra que realmente amamos ao Pai Eterno, pois a obediência é prova do amor que temos ao Altíssimo.

Que nossas vidas espelhem a fé que professamos. Sejamos melhores pais, zelando pela integridade espiritual, moral e física de nossos filhos. Sejamos melhores filhos, honrando nossos pais e avós. E façamos a diferença no seio familiar – consanguíneo e da fé -, porque assim estaremos colocando em prática tudo o que aprendemos de nosso Senhor Jesus Cristo.

Que Deus seja louvado!
José Vicente Ferreira